Djavan se apresentou em Amsterdam, fechando o Festival Viva Brasil. Participei da entrevista coletiva concedida no Muziekgebouw aan ‘t IJ em julho desse ano. A entrevista foi publicada na Do Brasil Magazine, numa versão mais compacta e aqui você lê a versão completa.
Tendo como cenário as águas do ’t IJ em Amsterdam, Djavan, muito à vontade, falou sobre música, família, outras paixões e sonhos.
Djavan combinava com o cenário de verão. Os óculos escuros, o enorme sorriso e um ar de quem estava de férias não expressavam a longa jornada da bem-sucedida turnê, que começou no Brasil em novembro de 2012.
Djavan e a Rua dos Amores
Djavan apresentou no Festival o seu último trabalho: “Rua dos Amores”. Um mix de canções novas e clássicos da sua carreira, num total de 24 canções. Mas onde será que fica essa Rua dos Amores?
“Ela fica em cada um de nós. Não é um disco temático. Amor não é tema, amor é vida. Comecei a escrever aleatoriamente e descobri que estava usando o amor como elo de ligação para falar de sensações como remorso, medo, incompatibilidade, insegurança, o amor platônico, o nao-amor, o amor maduro. Então, acabei fazendo a música “Rua dos Amores” e dei esse nome ao álbum.”
Arranjo: a ilusão de criar algo novo
Um dos destaques do show foi o sucesso “Meu Bem Querer” com o arranjo original de 1979. Mas outros sucessos como “Se”, “Samurai” e “Doidice” ganharam roupa nova. Djavan comentou o desafio de alimentar a sua necessidade de criar e ao mesmo tempo manter a identidade do seu trabalho.
“Gosto de ter uma ilusão de que estou cantando uma coisa nova, mas sempre com o cuidado de não descaracterizar a minha música. Acho importante a identificação das pessoas com as minhas composições”
Composição é uma necessidade física
Djavan faz parte do hall dos ícones da MPB como Caetano, Chico e Gil. Quando perguntado onde ainda encontra inspiração e energia para continuar a carreira, ele lembra que ainda tem muita estrada para percorrer e sede de compor.
“As pessoas confundem a minha carreira com carreira de artistas como Chico e Caetano. Não lembram que eles têm 10 anos a mais de carreira. Começaram em 65 e eu em 75. Tenho 37 anos na estrada e apenas 21 discos de carreira. A música para mim é mais do que um ofício, a composição é uma necessidade física. Preciso periodicamente trazer novas palavras, novas melodias e harmonias. Comporei e cantarei até o final da minha vida. Tenho essa inquietude.”
Versatilidade com marca pessoal
A versatilidade e a pessoalidade da sua música de Djavan são quase um paradoxo. Ele consegue passear por diversos estilos sempre impondo a sua marca. Estilos como jazz, música africana e brasileira convivem no seu repertório como inseparáveis amigos. Ele explica o porquê.
“Por ser negro, tenho uma conexão natural, orgânica com a música negra. Seja jazz, música africana ou brasileira, não tenho dificuldade de caminhar por diferentes estilos. Tive uma formação bem diversificada e saber tocar tudo era valorizado no início da minha carreira. Buscava na minha adolescência saber como se fazia bolero, jazz, música africana, flamenca e a brasileira de um modo geral. A música que eu faço decorre dessa formação. Por essa diversidade, a minha música atinge públicos diversos, de diferentes idades,classes sociais, raça e religião. Nos meus shows, vão desde crianças a adolescentes, adultos e mais velhos.”
Mãe. Primeira referência musical
Filho de descendente de holandês, Djavan tem sua mãe como primeira referência musical. Ela foi responsável pela influência feminina na sua obra. Ao falar da mãe, Djavan explica a importância da mulher na sua obra.
“Minha mãe era uma mulher incrível. A sua escolaridade era pequena, mas ela tinha um enorme saber e era extremamente musical. Foi ela quem me introduziu na música e trouxe a sensibilidade vocal da mulher para o meu canto. Desde cedo ela me mostrava Dalva de Oliveira, Angela Maria, Ella Fitzgerald, Billie Holiday dentre outras grandes cantoras. Meu canto é influenciado pela mulher. Graças à minha mãe.”
Por um momento, ela volta à infância no Nordeste do Brasil e lembra do menino nu, que cantava para as amigas da mãe, que eram convidadas para as suas apresentações.
“Ela convidava as amigas para me ver cantar em casa. Eu cantava nu. No Nordeste a gente andava nu pra economiza roupa – conta com um sorriso de quem guarda a lembrança com carinho. Responsável por uma parte importantíssima no meu processo de composição, ela me ensinou a contemplar. Tínhamos uma casa na esquina, com uma varanda bem grande e lá ficávamos olhando o céu. Ela me ensinava o nome das constelações, das estrelas. Me ensinou também nomes de árvores, plantas e me fez um apaixonado pela natureza e pelas matas.”
Música, arquitetura e botânica
Além de música, Djavan se lança em outras áreas como arquitetura e botânica. Ele fala sobre a sua forma de criar, construir e compor:
“Música ou letra? No inicio fazia as duas coisas juntas. Depois passei a fazer separado: a música primeiro e depois a letra. Assim, você tem um domínio maior e viaja duas vezes. Tenho um zelo profundo pelas duas coisas. Sou um apaixonado pela poesia, pela sonoridade das palavras. Gosto de brincar com isso e quero a coisa do meu jeito. O mesmo zelo, tenho quando trabalho com arquitetura e com botânica Tudo que construo tem que ter a minha cara. Construir é como fazer um arranjo de musica. Tudo tem princípio, meio e fim. Também cor e proporção. Trabalho consciente de que estou criando algo meu, pessoal. Assim também é na música, na letra e na harmonia.”
Impetuosidade pelo novo
Mas diante de tanto sucesso, o que espera e deseja Djavan para o futuro?
“Meu sonho é acordar todos os dias com um projeto novo, que é descobrir, aprender, estar sempre aberto para o que vier. Tenho uma impetuosidade pelo novo. Meu sonho é não perder isso. O prazer de viver com o novo. Eu espero manter essa curiosidade.”
Imagens: Ron Beenen