Bailandesa

Mudar de país: da decisão à adaptação

Mudar de país, mudar de vida e recomeçar. Isso passa pela cabeça de muitos. Se passa pela sua, continue lendo

A última virada da chave, deixando o apartamento vazio para trás. Uma vida muito bem embalada em algumas caixas e duas malas. Pela frente um imenso caminho desconhecido a percorrer.

Com passagem em mãos, visto no passaporte e um coração cheio de certeza e esperanças, estava eu a caminho da Holanda. Depois de meses de burocracia, despesas com cartórios e tradutores juramentados, estava pronta para ir em frente com a decisão mais arriscada da minha vida: mudar de país.

Deixar tudo para trás não é um passo para todo mundo – (c) Mantas Hesthaven – Unsplash

Depois de pesar muitos fatores e receber um empurrãozinho de um coração apaixonado, não tinha nenhuma dúvida de que emigrar seria a melhor opção no momento. Já tinha lido tudo sobre o país e me considerava super preparada, mas pouco sabia o que esperar das minhas emoções; o que sentiria? Como me sentiria? Acredito que muitos tenham as mesmas inseguranças. Por isso resolvi compartilhar o alguns aprendizados.

A decisão de mudar de país

Imagino que, como eu, muitas pessoas já passaram por esse processo. O interessante é que deixar o seu país é uma decisão que exige uma análise da sua vida. De repente você percebe que coisas que nunca pareceram importantes para você, parecem inseparáveis: é o pãozinho da padaria da esquina, o bom dia do porteiro reclamão, o jornal de domingo e tantos outros pequenos e preciosos detalhes do dia-a-dia.  

Estar apaixonada me deu impulso e acelerou minha decisão – (c) Bailandesa.nl

Ao mesmo tempo, coisas que parecem ter muito valor, se revelam totalmente indispensáveis. Para mim, um momento simbólico foi quando selecionei o que traria para a Holanda. O que de material não conseguiria me separar? De repente entendi que, em termos de bens materiais, muito pouca coisa significava muito pra mim.

Os primeiros meses: Olhos de turista e muita espera

No início, os olhos de turistas estavam em alerta total, descobrindo beleza , curiosidades e diferenças nos mínimos detalhes. É um momento de exploração e de deslumbramento. A excitação de ter um mundo novo a descobrir era quase um alegria de criança Naquele momento, me sentia nadando num mar de possibilidades.

O deslumbramento é total na primeira fase de adaptação – (c) Bailandesa.nl

Quando a poeira começou a assentar e o cotidiano foi encontrando seu espaço, comecei a sentir falta de ter uma rotina de trabalho como no Brasil. O pior foi esperar pelo BSN (Burger Service Nummer), que é similar ao CPF no Brasil. Sem ele, você pode até ter o direito de estar na Holanda, mas não de ser.  Ou seja, ele torna oficial a sua existência , já que lhe permite trabalhar, estudar e outras que tornam a sua vida mais real. Passei 5 meses me sentindo na era do escambo, me sentia uma pária. Ansiosamente olhava a caixa de correio todos os dias. Até que um dia recebi o tal número que me transformava em uma cidadã.

Começando a vida em um novo país

Se imigrar é equivalente a renascer, a chegada do BSN pode ser considerado o seu nascimento. A partir daí, começou o Programa de Integração, com as aulas Holandês e comecei a fazer um círculo de amizades e desenvolver a minha rede de contatos. Assim, a minha vida começa a produzir as primeiras fagulhas.

Mas aí também comecei a ver a importância de aprender a língua. E a sensação era que estava numa corrida, na qual eu era a tartaruga e todos os outros habitantes do país eram lebres.  Ou seja, a TV falava holandês, a família do namorado falava holandês, a caixa do supermercado idem. Enquanto eu, não conseguia nem ler um rótulo de desinfetante.  Sim, sempre dá para se virar com o inglês, mas não era o que queria. Desejava tomar um pílula da fluência e acordar falando holandês perfeito.

Entre surtos de total amnésia e momentos de clareza estonteantes, a língua foi aos poucos sendo assimilada, assim como os costumes e as regras sociais. A sensação de ser uma estranha no ninho, foi milimetricamente e vagarosamente sendo substituída por um sentimento de que o meu lugar estava cada vez mais próximo.

Trabalho: flexibilidade, criatividade e paciência

Considero o primeiro ano como um período de exploração e aprendizado. Como um bebê que vai aprendendo a falar, engatinhar e dar os seus primeiros passos.  Com o término do curso de holandês e de integração, vem a busca com mais foco do lado profissional. E aí é a hora da paciência e criatividade.

enviei mais de 150 CV’s para conseguir um trabalho na Holanda

Muitas vezes não é possível encontrar um trabalho exatamente na mesma área e função que você exercia no seu país. Outra oportunidade para olhar para você e ver as suas qualidades e potencialidades. Também uma chance de começar do zero. Enquanto não encontrei um trabalho que me deixasse feliz,  fiz traduções, escrevi, entrevistei, trabalhei como voluntária em Festivais e descobri que sou boa em muito mais coisas do que eu imaginava.

Um outro ponto importante é conhecer pessoas. Às vezes, o trabalho não é remunerado, mas você pode fazer contatos, trabalhar num ambiente diferente, interagir com outras culturas.  Estar a aberto a novas experiências é fundamental pra quem quer se dar bem num novo país.

Quando me sinto em casa, depois de mudar de país?

Depois de muita batalha e algumas decepções, veio o trabalho que eu queria. E a minha rotina encontrou seu ritmo, as surpresas foram rareando e as diferenças, antes saltitantes, não se sobressaíam mais. É como se Alice se acostumasse com a loucura da Rainha de Copas, a Lagarta Azul e o Chapeleiro Louco. Como se tudo naquele país, tão estranho no início, parecesse rotineiro. E aí, podemos dizer que nos sentimos em casa?

Bom, devo dizer que essa é uma outra história. E pode ser que o que você deixou pra trás também não seja mais a sua casa.  Ao voltar para o Brasil de férias também estranhei muitas coisas.

Hoje tenho a nacionalidade holandesa, mas nunca deixarei de ser também uma estrangeira. Não há uma metamorfose completa ou uma forma de mutação. Hoje encontrei o meu lugar e me sinto confortável onde estou, como vivo. Encontrei o equilíbrio entre o que trouxe e o que assimilei. Isso é que é se sentir em casa. Ou seja, a sua casa, é você quem constrói e pode ser em qualquer lugar do mundo.

 
Sair da versão mobile