Bailandesa

O ano em que virei holandesa

2009 foi um ano marcante. Este foi o ano em que tive maior contato com as leis trabalhistas da Holanda, voltei definitivamente a trabalhar na área que gosto e me naturalizei holandesa. Felizmente, pude manter a minha nacionalidade brasileira e hoje guardo na gaveta mais um passaporte, além de outros direitos e responsabilidades de cidadã. Mas o que realmente mudou? Além de mim mesma, outras pessoas sempre me perguntam.
Quando vejo a foto da feliz mulher chegando no aeroporto com uma vida em duas malas e  um instinto muito forte que tudo daria certo, penso no longo caminho que percorri e ainda percorro. Imigrar tem um pouco de renascer. Não é fácil reaprender a falar, a se vestir num outro clima e a andar com suas próprias pernas num ambiente com leis e regras sociais diferentes. O deslocamento físico é fácil, mas conquistar uma vida no real sentido da palavra é uma outra história.
O sentimento de impotência e frustração diante da impossibilidade de ler um rótulo no supermercado para mim foi simbólico. Me senti como um criança desamparada e a sensação era de que todos os olhos se viravam para mim. Estava lá, sob os holofotes, uma estranha àquele mundo, incapaz de escolher um simples produto de limpeza. Lógico que todo o aprendizado, se encarado com bom humor, reproduz-se em impagáveis histórias. Muitas delas recheiam as virtuais páginas desse blog.
O que mudou?
Com a naturalização, no entanto, não veio o imediato e tão desejado total domínio da língua. Não acordei falando holandês como quem come stamppot desde criancinha. Não saí pedalando como um às das duas rodas, com um telefone ao ouvido e um guarda-chuva na outra mão. Tampouco decifrei por completo a esfinge batava. Às vezes, ainda acho difícil entender o humor holandês. Outra tarefa árdua é derrubar a invisível parede em que me bato nas relações sociais. Tenho amigos holandeses? Sim, alguns. E com eles me sinto muito à vontade, mas a intimidade plena e natural ainda é um desafio.
As referências e perguntas relacionadas à minha original nacionalidade continuam. No Brasil é assim? Todos os brasileiros gostam disso? Uma sucessão de clichês com pontos de interrogação que, sem sentir, vou respondendo automaticamente todos os dias. Ou seja, nas minhas relações sociais, o passaporte vermelhinho não fez nenhuma diferença. Mas quando olho para a página plastificada que, apesar de listar Salvador como minha cidade natal, mostra a minha nova nacionalidade, não deixo de me sentir um pouco diferente. Ao ler a nacionalidade “Holandesa”, sinto um leve peso sobre os meus ombros, uma sutil responsabilidade. É como se a minha espontânea simpatia pelo país, assumisse um caráter oficial, um compromisso, um laço mais do que afetivo.
O lado prático
Como viajo com certa regularidade pelo trabalho, claro que ficou mais fácil para entrar em países fora da comunidade europeia. Os bancos me parecem ser os que mais reverenciam a minha nova nacionalidade. A condição de ser holandesa passa estabilidade. Logo, empréstimos bancários, como hipoteca por exemplo, encontram condições mais favoráveis para a aprovação. Mas o direito a votar nas eleições nacionais, a possibilidade de participar do processo político do país, é que considero a mais importante de todas as mudanças. Aí é  que me sinto mais integrada.
Holandesa ou Bailandesa?
Mas o que sou? Holandesa, Brasileira ou Bailandesa? Bailandesa mais do que nunca: um misto de tudo o que sou e vivi. O que os politicos fingem não entender é que não se tira uma nacionalidade, apenas se adiciona. A opção por uma nacionalidade é uma impossibilidade. Uma história de ficção passada nas telas jurídicas e burocráticas. Jamais deixarei de ser brasileira, como jamais tirarei a Holanda de mim. Carrego experiência e sentimentos vividos nesses quase 4 anos de Holanda que jamais serão apagados.
A minha pergunta é: quando eles me enxergarão como também holandesa? Melhor dizendo, quando deixarão de me ver como não holandesa? Naturalização não vem com um carimbo na testa e, apesar de receber os direitos e deveres da dita cidadania, o reconhecimento social não é garantido. Mas na verdade, o que desejo mesmo é que me vejam não como uma portabandeira, mas como quem sou, sem rótulos ou estereótipos.
Saiba mais sobre naturalização na Holanda:
Naturalização  na Holanda – parte 1
Naturalização na Holanda – parte 2

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