Foi assim que amanheceu o dia em que completei 5 meses aqui na Holanda. Eram 8 horas da manhã e o sol dorminhoco, chegava preguiçoso, mas lindo de viver. Num outono com temperaturas recordes, a máxima esperada era de 17C. Só podia ser em minha homenagem, né? Se parar pra fazer uma retrospectiva de tudo o que o já aconteceu, vejo que muita coisa já passou. Já reaprendi a andar de bicicleta, fui a Terschelling, Roterdã, Amsterdã, Maastricht e ao Efteling . Já trabalhei de graça e estou no meu segundo curso de holandês. Nesse intervalo, amarguei a espera do visto de trabalho e da minha mudança. Também conheci novas pessoas, estranhei novos hábitos, me surpreendi com diferenças – já diz Caetano “é que narciso acha feio o que não é espelho” – e mais importante descobri novos talentos e possibilidades em mim mesma. Me acidentei, me preocupei e preocupei muita gente, mas tudo passou e está passando, assim como o tempo. O sol já brilhou, torrou e amainou. As folhas já encheram a paisagem de verde, mudaram de cor e coloriram tudo com tons que vão do ouro ao vermelho. Hoje caem quase como chuva, assim como a temperatura que vem caindo, mas reluta em aceitar a inexorabilidade de natureza. É, não tem jeito, o inverno vai ter que chegar algum dia. O importante que até aqui o saldo é positivo. Este é apenas um pit stop pra verdadeira corrida que começa agora. Procurar trabalho, aprender mais e mais a língua e me sentir um pouco menos estrangeira e um pouco mais em casa. Estrada longa que se percorre com passinhos de formiga e paciência zen-baiânica.
Deixo um video de Sampa pra vocês. O ambiente não tem nada a ver com aqui, mas o sentimento, a sensação de quem não está em casa é universal.
Alguma coisa acontece no meu coração que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi da dura poesia concreta de tuas esquinas da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee, a tua mais completa tradução Alguma coisa acontece no meu coração que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto chamei de mau gosto o que vi de mau gosto, mau gosto é que Narciso acha feio o que não é espelho e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo afasto o que não conheço e quem vem de outro sonho feliz de cidade aprende depressa a chamar-te de realidade porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas da força da grana que ergue e destrói coisas belas da feia fumaça que sobe apagando as estrelas eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba mas possível novo quilombo de Zumbi e os novos baianos passeiam na tua garoa e novos baianos te podem curtir numa boa.