Bailandesa

Clarice e Clarissa

A minha homenagem ao Centenário de Clarice Lispector

Clarice Lispector entrou na minha vida na escola com “Felicidade Clandestina”. Lembro que, enquanto os colegas reclamavam da leitura obrigatória, eu devorava as crônicas e me identificava com a menina que saboreava os seus momentos com o livro. Ela até postergava esses momentos, como quem come um biscoito aos poucos ou esconde a caixa, só para adiar o deleite. Também tive meus “desastres de Sofia”. E ainda posso dizer que, na minha infância, Clarice Lispector me revelou mais da vida do que toda a bibliografia do primário.

clarice & clarissa - centenário Clarice Lispector

Clarice foi uma companheira de vida e cabeceira

No centenário de Clarice Lispector, relembro como seus personagens foram parte da minha vida

Na adolescência, Lóri e Ulisses foram cúmplices na minha aprendizagem de amar, de encontrar e desencontrar. Ao ler “Uma Aprendizagem ou o Livro do Prazeres”, estranhei o fato do livro, começar com uma vírgula. Mas essa estranheza, na verdade, me deu a consciência da continuidade da nossa vida. Ou seja, antes da minha, já haviam existido tantas outras vidas. Já os dois pontos que fecham o livro, abriram todas possibilidades para o que viria depois. 

Enquanto a ingenuidade de Macabéa me dava nos nervos, a sua história me mostrava a ferida em carne-viva da desigualdade de classes e do preconceito. Sim, Clarice também me ajudou a criar uma consciência social. Já Ângela, em um Sopro de Vida, deu um nó na minha cabeça com as suas reflexões sobre a morte e sobre Deus.

Leia também: Drummond ao Natural. O poeta que descobri na Holanda.

Emoção sem pudor

Clarice foi alguém que explicou e complicou muita coisa na minha vida. Ela tinha uma capacidade de transformar um sentimento em objeto e colocá-lo na sua frente como um vaso de flores na mesa. Ao mesmo tempo, dava emoções às coisas físicas, que ganhavam personalidade e humor.

Cada texto seu era aula de anatomia do seu íntimo. Ela não tinha nenhum pudor em nos revelar seus conflitos, medos e anseios. Ler Clarice sempre foi como ter alguém que explicava o que sentia. Mesmo quando eu nem sabia que sentia. Enfim, Clarice foi uma companheira de vida e de cabeceira, que ainda vai influenciar muito a minha vida até e o mundo por muitos mais séculos.

 

Sair da versão mobile