Morando na Holanda há mais de 10 anos, já passei por diversas fases de adaptação. Essas desencadearam os mais diversos sentimentos: encantamento incondicional, irritação, simpatia, empatia, raiva e por aí vai. Entre relações de ódio e amor, sucesso e frustração, vi que aprendi algumas coisas.
1) Dizer não e ser sincero
Nós brasileiros temos muita dificuldade em dizer não ou discordar. Inventamos desculpas, comemos coisas que não estamos com vontade e engolimos muitos sapos sociais em nome da boa convivência. Os holandeses, nesse ponto, não encanam e dizem “não” sem nenhum pudor. Também dão sua opinião sem reservas. Se não gostam, falam sinceramente. Eu sei, às vezes eles exageram na mão e a sinceridade ultrapassa os limites dos bons modos. Mas há um lado positivo. Não há dúvidas na relação. Não há aquela história de “digo não quando quero dizer sim” e vice-versa. É tudo preto no branco. A Holanda me ensinou a dizer sim pro não.
O que aprendi morando na Holanda?
Acho que hoje consigo dizer mais não e ser mais sincera, o que às vezes não é totalmente compreendido por brasileiros. Agora, sou eu a maleducada. Pois é, ser imigrante é andar numa eterna corda bamba entre distâncias físicas e culturais.
2) Aceitar o seu corpo e o seu envelhecimento
É fato, andamos mais cobertos por essas bandas frias de cá. Mas será que esse seria o único motivo que faz com que as pessoas não sejam tão obcecadas pela aparência na Holanda? Acho que não. Acredito que exista uma maior aceitação da individualidade e uma menor pressão da sociedade. O respeito à privacidade também tem um papel importante nessa questão. Existe menos controle social e eles não veem com muito bons olhos as intervenções cosmésticas. É a aceitação: você vai envelhecer. Esse é o processo natural da vida.
O que aprendi morando na Holanda?
Como há menos pressão social, me sinto mais livre e sinto que me preocupo menos com quilinhos a mais e outras neuras que tanto me incomodavam quando morava no Brasil.Calma lá! Isso não significa que “não estou nem aí”. É uma questão de referência. A aparência não é prioridade número 1. Não sinto que serei julgada a cada momento. O estresse só volta quando sei que vou de férias pro Brasil. Aí já sabemos como o negócio funciona.
3) Dar menos valor à aparência
Unhas feitas, cabelos impecáveis, roupas da moda, carro novo, óculos de sol, relógios….Esses e tantos outros símbolos de status tão presentes na minha vida no Brasil despencaram no ranking do meu dia-a-dia. Não que já desse muita importância a eles, mas sentia presença constante de tudo isso na sociedade brasileira. Não é que eles simplesmente inexistam por aqui. Existem sim, mas não são tão relevantes.
O Calvinismo deixou suas raízes na cultura holandesa. Trabalhar duro, viver de forma frugal e sem exageros são valores que estão entrelaçados ao modo de vida da Holanda – mais do que imaginamos. O lema “ Doe maar gewoon, dan doe je al gek genoeg” (Agir normalmente, já é loucura suficiente) ainda exerce seu papel na sociedade holandesa e excesso e ostentações não são bem vistos por aqui.
O que aprendi morando na Holanda?
Deixando os extremos de lado, admiro a forma como as pessoas geralmente não são julgadas pelo que vestem ou o que têm. É sempre assim? Claro que não: inveja, despeito e preconceito estão presentes em qualquer sociedade. Mas posso dizer que as obrigações com a aparência são menores e aprendi a repetir roupas sem culpa, frear o impulso do consumo e também frear a tendência de fazer pré-julgamentos baseados na aparência das pessoas.
4) Frugalidade. Aproveitar as coisas simples e de forma mais simples
Costumo dizer que a Holanda é uma fazenda salpicada de cidades. Acho que esse lado bucólico do país contribui para que algumas coisas simples da vida sejam valorizadas. Adoro alguns pequenos cuidados que vejo por aqui: colocar alimento para os pássaros no inverno, o cuidado com flores e plantas em geral, o carinho com as casas.
Os holandeses também não são famosos por sua sofisticação. Na mesa, as coisas são servidas de formas mais prática e sem frescuras. Tá bom, às vezes até demais. Já reclamei muito pelo falta de guardanapos. Mas tem hora que o melhor mesmo é relaxar e aproveitar o momento, sem tantas regras e pompas.
O que aprendi vivendo na Holanda?
Não tenho dedos verdes, mas aprendi a admirar e aproveitar os pequenos prazeres e ter uma varanda florida, sentir na pele os primeiros raios de sol da primavera e acordar com o canto dos pássaros. Ou seja, aprendi a admirar os pequenos e simples prazeres da vida. Também vejo que me tornei mais prática em todos os sentidos.
5) Tomar menos remédios
Sempre digo que a filosofia da saúde da Holanda é o maior desafio da integração. Reclamo o tempo todo da relação dos holandeses com a dor e de como eles dão pouca importância a muitas queixas. Mas o extremo holandês me fez ver que na verdade eu tomava muitos remédios. Demais mesmo! As farmácias no Brasil são quase supermercados e tomamos muito e a todo momento remédios.
O que aprendi vivendo na Holanda?
Que nem sempre preciso daquele anti-inflamatório. Um paracetamol à vezes resolve o problema. Pensar duas vezes antes de correr pra farmacinha faz bem. Mas existe o outro lado da moeda: tem momentos aqui na Holanda em que você tem que insistir sim e exigir aquele remédio ou a atenção do médico, seja um especialista ou médico de família,
Tudo é uma uma questão de referência
Para mim, o maior aprendizado foi enxergar que tudo é questão de referência. Quando nos chocamos com uma situação, é hora de lembrar que o choque pode ser recíproco. Quem está do lado oposto pode também considerar o nosso normal como extremo. Assim, ao analisar os extremos podemos chegar mais perto do equilíbrio e ter um experiência mais rica.
E você o que já aprendeu visitando , morando na Holanda ou em outros países?
Blogagem Coletiva
Esse artigo foi atualizado em 30.05.17 e faz parte de uma blogagem coletiva de várias mulheres, brasileiras e blogueiras, que também cruzaram o oceano e se aventuram diariamente a viver nesse país de dimensões minúsculas e que tem diferenças culturais gigantescas em relação ao Brasil. Não deixe de conferir o que elas aprenderam: