Bailandesa

João Gilberto, meu pai e a saudade

Morre João Gilberto. Leio diversas manchetes e posts nas mídias sociais e imediatamente bate aquela saudade. Não só do João, mas também do meu pai. Corro pra pegar o LP Getz/Gilberto que ele comprou quando ainda morava nos EUA e, enquanto ouço o álbum, diversas memórias e histórias vêm à minha cabeça.

Getz/Gilberto. O álbum icIonico de João Gilberto e Stan Getz
O álbum Getz/Gilberto é um álbum essencial na história da música brasileira (c) Bailandesa

Nesse momento, percebo o quanto João Gilberto influenciou a minha vida. E olha que não estou falando de gosto musical. De repente, vejo que se não fosse por ele, talvez minha vida teria tomado um rumo completamente diferente. Talvez nem tivesse nascido no Brasil. Mas calma, deixa eu explicar essa história direito.

Saudade de expatriado

Como eu, meu pai já foi um expatriado. Junto com minha mãe e depois minhas irmãs, viveu alguns anos nos Estados Unidos. Enquanto profissionalmente tudo ia muito bem, a saudade do Brasil e da Bahia era grande e só aumentava. Não só a dele. Minha mãe também estranhava o clima, a língua e os longos dias que passava sozinha.

Minha mãe, minhas irmãs nos Estados Unidos nos anos 60 (c) Bailandesa.nl

João Gilberto, a Guerra Fria e a Bossa Nova

Estamos nos anos 60, logo após à crise dos mísseis cubanos e em plena guerra fria. O clima e os corações pesam. Enquanto a tensão política aumenta, a imagem da idílica Bahia de Dorival Caymmi ronda cada vez mais os pensamentos do meu pai. 

Ao mesmo tempo, João Gilberto e a bossa nova chegam aos Estados Unidos. E João não vem sozinho; Jobim e outros nomes da nova onda brasileira trazem ares do Brasil para a América. Assim, o Brasil fica mais perto, mas ao mesmo tempo, um sonho cada vez mais longe. 

João Gilberto, Caymmi e Bahia

E assim, com dois pés nos Estados Unidos e o coração na Bahia, meu pai foi a um show de João Gilberto. João, como é sabido, era baiano e tinha Dorival Caymmi como amigo e referência. Os sucessos de Dorival como “Doralice” , “Samba da Minha Terra” iam enchendo o ambiente de brasilidade e os olhos do meu pai de lágrimas. 

Uma das visitas de meus pais à Holanda (c) Bailandesa.nl

Saudades da Bahia

Num crescente de emoção, as dissonantes de João deixavam cada vez mais claro que os EUA destoavam com o calor e da malemolência baiana. O show continua e João ia dividindo os versos de forma estonteante, a sala não cabia mais em si de banzo. Até chegar o divisor de águas: “Saudades da Bahia”. Dentro do peito, sai um grito: “Chega de Saudade!” Não dava mais pra morar naquela terra fria. Nesse momento, a decisão foi tomada. E foi assim que a família voltou pro Brasil e alguns anos depois eu nasci na minha amada Bahia com H. Ah, só pra constar, meu pai era desafinado, mas tinha um coração imenso. Saudade, pai! Obrigada João.

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