Bailandesa

O dia em que fui Rainha na Holanda

Ela sempre tinha uma cara emburrada. Nunca dava bom dia. Meu holandês na época ainda era trêmulo, vacilante. Me apavorava toda vez que abria a boca. E ficava nervosa quando as pessoas espremiam os olhos, como se me entender fosse um esforço de carregar uma pedra de 1 tonelada. Enquanto os olhos diminuíam de tamanho, minha voz  também ia ficando pequenina. Parecia que os olhos deles eram o controle do volume. Assim, me comunicava mais com sorrisos e balançares de cabeça ou  falava em inglês.

Pedalando e me adaptando na Holanda

A bicicleta é um dos melhores meios de se sentir integrada- ©Bailandesa

A vizinha era do tipo durona, pisava firme pelo corredor, tinha gestos curtos. Usava sempre casacos esportivos e cabelos curtos, grisalhos. Nunca tinha ouvido a sua voz.  E já evitava cruzar o olhar.  Mas enquanto, ela parecia fria e distante, a sua varanda era vibrante e super florida. De longe, admirava o seu carinho com as plantas. 

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Fazer parte do jogo

Esse era o momento de descoberta do país, de aprender as regras do jogo social. Se por um lado você se encanta com todas as coisas novas, por outro, existe a ansiedade de encontrar o seu lugar. Você quer fazer parte do jogo e jogar com as mesmas cartas. Assim, aquela vizinha, me lembrava a cada encontro de que ainda faltava comer muito queijo pra me sentir em casa. Ela me deixava desconfortável.

A bicicleta fez a diferença?

Um dia, cheguei com a bicicleta cheia de compras. E desajeitada, comecei a descarregar. A bicicleta se equilibrava numa corda bamba enquanto eu calculava qual peso iria tirar de cada lado. Enquanto me entendia com a bicicleta e as compras com rótulos indecifráveis, ela apareceu. Pensei: pronto! Agora só falta essa bicicleta cair.

A vizinha se aproximou, e pra minha surpresa, oferece ajuda. Concluí: tá com pena! Mas ela traçou um sorriso no rosto, engatou um inglês holandesado e ofereceu ajuda. Enchi o peito de coragem e respondi em holandês. Ela segurou a bicicleta, enquanto eu tirava as compras da sacola e me ajudou a carregar algumas sacolas. Quando chegou no elevador, me perguntou em holandês há quanto tempo morava aqui, de onde vinha, se estava gostando da Holanda.  Acho que marquei alguns pontos por estar fazendo compras de bicicleta.  

Covinhas

Quando respondi que vinha do Brasil, os olhos não se espremeram e os lábios abriram num sorriso. Descobri que ela tinha covinhas simpáticas.  Me arrisquei a mais uma frase e mais outras saíram de forma natural da minha boca. O elevador chegou no nosso andar. 

Quando nos despedimos, ela olhou pra mim  com um ar de orgulho disse que gostava so sotaque sul-americano e acrescentou: Agora, temos a nossa própria Máxima* no nosso prédio.  

*Máxima é a Rainha da Holanda, que é argentina.

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