Quando duas histórias de amor se encontram numa mesa de restaurante na Holanda.
– Será que ele se importa de dividir a mesa com a gente?
Me perguntava o (na)marido diante das mesas lotadas no terraço do restaurante. Reparei no senhor com olhar doce, mas determinado, que degustava seus camarões e disse: Não vai haver problema! Era uma longa mesa de piquenique dividida por uma simpática e enorme lata de óleo de oliva que parece ter nascido para ser jarro de planta.
Nossa proposta foi aceita na hora e os gracejos começaram. Emplaquei um sorriso sem graça e respondia a todo momento, “ hãhã, hãhã”. Pensava: Ai meu Deus, é agora que não vou ter paz para curtir meu inesperado jantarzinho de verão no meio da semana.
Era terça-feira e o cansaço, bom companheiro da preguiça, decidiu que não era dia de cozinhar. Tudo que queríamos era renovar o frescor do recente final de semana. Mas o velhinho, a cada momento, nos interrompia e fazia um comentário. O meu mau humor caminhava a passos largos, mas começava a desenvolver um sentimento dúbio. Me incomodava com as interrupções, mas ao mesmo tempo, simpatizava com aquele velho chatinho.
O clique
As nossas entradas chegaram e houve um momento de paz na mesa. Até que ele ouviu algo relacionado ao Brasil e pediu licença para interromper. Contou que havia feito uma longa viagem ao Brasil e que havia visitado várias cidades. Ele já ia se calar, pedindo desculpas pelo incômodo e um clique aconteceu. A conversa tomou vida e rumo próprios e se apoderou da mesa e do instante.
As afinidades se destacavam entre os sabores e aromas mediterrâneos. Música? Ele havia tocado numa banda por muitos anos. Viagens? Ele havia rodado meio mundo e tinha a Itália com destino preferido. A conversa fluía e aquele brilho que acontece quando se descobre uma nova amizade cintilava nos olhos de todos. Até que chegamos na encruzilhada da intimidade, que é uma fronteira que às vezes é mais facilmente cruzada por um estranho do que por um amigo. Intimidade não é questão de tempo de amizade e sim de conexão.
O jogo da verdade
Ele começou a falar da sua esposa, falecida há 9 anos e nos contou como foi difícil e a aventura de se apaixonar. Ele frequentava uma escola que não tinha boa fama no colégio católico em que ela estudava. Por isso, os encontros aconteciam às escondidas no Vondelpark, em Amsterdã. Nos falava com um orgulho apaixonado de quão independente era ela. Dizia: a minha mulher não foi emancipada porque não existia essa palavra na época. Descreveu as coisas que ela não gostava e de como foram felizes, apesar das diferenças. Após a morte da esposa, passou dois anos recluso e então, juntou forcas e reiniciou a vida. Começou a sair novamente e hoje tem uma amiga, que pode ou não virar uma companheira.
A roleta virou e era a nossa vez no jogo da verdade. Ele nos perguntou como nos conhecemos e contamos a história, nem tão original assim, de se conhecer pela internet e tal. Falamos das dificuldades, o primeiro encontro, os desencontros, as decisões e indecisões, as mudanças e tudo o que envolve a vida de um casal de nacionalidades diferentes. Ele olhava intensamente nos nossos olhos. Queria estudar a reação de cada um, verificar a autenticidade do amor.
Vergonha e aprendizado
Até que chegou um momento em que ele falou da perda do filho para um câncer de estômago no ano passado. Sem nenhuma pieguice, relatou a sua perda e, no momento certo, se despediu. Saiu andando a passos seguros e de costas, não pode ver os dois olhos marejados que deixou na mesa. Abobalhados diante do exemplo de paixão pela vida e envergonhados pela impaciência prematura, havíamos aprendido a dar tempo para olhar e ouvir as pessoas ao nosso redor.
Não sei seu primeiro nome, desconfio onde mora e já torço por um novo encontro surpresa.
Imagem: © Thomas Lieser
24 comments
Muito lindo!!
Lindo post! Me emocionei. Sigo vc no twitter e vim ler o post e posso dizer que me vi sentada na mesa do restaurante em Utrecht com vcs. Torcendo pro novo encontro acontecer! 🙂
L I N D O !!!!
Que lindo!
A história toda, mas principalmente o teu texto… me apaixonei pela tua escrita. 🙂
Obrigada Lena e Paula.
Senzatia, que bom que você gostou e se emocionou junto comigo. Essa foi uma experiência muito marcante e também torço pra acontecer de novo. Até breve. Pode ser aqui, no twitter, no Facebook ou em qualquer lugar. Obrigada e volte sempre.
Sabe, acho q “presentes” assim acontecem exatamente pra prestarmos mais atenção à nossa volta. Assim como algo essa bate-papo de almoço foi a companhia deste senhor naquele dia, esse momento tão bonito ficou pra vcs. E ficou pra mim teb q acabei de ler. Obrigada pelo relato. Adoro seus textos! bjs eliane
Cris, fiquei muito feliz com a sua visita. Obrigada por se apaixonar .. 🙂 Volte mais vezes
Oi Eliane, certíssimo! Foi realmente um presente e me fez parar pra pensar. Muito poder compartilhar essa emoção com tanta gente. Espero te ver mais vezes por aqui.
E voce acaba de deixar uma leitora com os olhos marejados.
Que historia bonita. E eu me identifico 100% com o lance da impaciencia. Eu sou geralmente assim com estranhos. Quanto nao perdemos por ficarmos as vezes tao centrados em nos mesmos? Que bom que ela foi vencida! 🙂
Beijo,
Pois é, Carla. Essa experiência serviu de lição. Temos que dar tempo para conhecer as pessoas, para ver o que está ao nosso redor. Como diz Lenine:
” Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara…”
Ai que lindo, pessoas assim são estrelas cadentes que passam por nossas vidas.
Bjosss
Pois é Si, isso é muito bom quando acontece!
Lindo!! Que fofinho esse senhor!! Adoro conhecer lugares e ouvir o que as pessoas tem a dizer. Logo mais, estarei ai na Holanda e quem sabe eu não tenha a sorte de ouvir histórias como essas! Beijos e fique com Deus
Olá Claudia, eu realmente espero que você tenha encontros como esse. Esse tipo de situação nos faz parar pra pensar e nos enche de estímulo pra viver.
Seja bem-vinda! Sucesso.
Ai que texto perfeito. Fiquei sua fa e vou voltar.
Ah, Anita fiquei boba :). Você volta e eu vou correndo no seu blog conferir,
Obrigada e volte mais vezes.
Olá!
Eu dei uma olhada aqui em seu blog e gostei muito.
Tenho vontade de ir à Holanda pra estudar, mas ainda tenho muitas dúvidas, até porque eu precisaria trabalhar para estudar lá, e penso que não será nada fácil pra mim. Sei que existem vários sites sobre o assunto, mas eu gostaria muito de ouvir a opinião de alguém que mora lá.
Será que você poderia me passar seu e-mail, ou Msn?
Eu agradeceria muito!
Ah! E adorei o post “fale com estranho”. Tenho seguido essa filosofia ultimamente. Ônibus, geralmente, é o melhor lugar pra fazer isso.
Abraços,
Ana
Olá Ana, que bom que gostou do post. Você pode mandar o email para contato@bailandesa.nl. Terei em prazer em te responder.
Um abraço
Nossa que lindo…….Um brinde ao sorriso que abre as portas para o desconhecido.
Oi Mércia, obrigada pela visita. O encontro foi lindo e realmente mudou minha atitude emr elação às pessaos desconhecidas. Volte mais vezes.
Nao preciso te dizer por que já te disse outras vezes. Você tem o dom de escrever. Quando vc escreve, vc sabe não só prender a atenção, mas descreve de uma maneira que a gente se põe a usar a imaginação para colocarrostos nos personagens, imaginar os lugares e se apaixonar pelas pessoas e pelo mundo ao nosso redor.
Beijos com saudades,
Céu
Ah Céu, muito obrigada. Você sabe o quanto gosto da sua companhia. Um honra pra mim receber um elogio desses.
Muuuita saudades
Este post é realmente muito bom. Achei a historia bela demais, um encontro inesperado que termina com uma bela lição de superação e amor a vida. Parabéns, depois de ler este post seu blog está entre os meus preferidos.
Obrigada Cornélio! Volte sempre!