O dia em que um Coreano me fez pensar em minha vida na Holanda
Diante mim um espresso e doces da pastelaria portuguesa. Sentada numa praça em Coimbra, conversava com um jornalista coreano. Sem mais nem menos ele saca do bolso uma pergunta direta. Dessas que veem do uso de uma língua não nativa. É, às vezes a estranheza de uma língua cria caminhos mais curtos entre as pessoas.
– Qual o maior estresse na sua vida?
Olhei para ele, tentando atravessar o meu próprio reflexo nas lentes dos seus óculos e respirei (ou suspirei?) fundo. Pela primeira vez em muito tempo ouvia uma pergunta que me fazia parar para pensar. Não por se tratar de uma pergunta complicada, mas porque me forçava a olhar para mim mesma e para a minha vida. A primeira palavra que me veio foi: meu trabalho. Mas antes de responder, nessa fração de segundos em que o cérebro faz suas sinapses e concatena pensamentos em palavras, fiz uma viagem ao meu recente passado.
Vida no Brasil
Antes de vir morar na Holanda, estresse fazia parte do meu cotidiano. Já nem fazia parte do vocabulário. A palavra tinha vida própria e era quase que uma companheira. Longas jornadas de trabalho, a necessidade de estar sempre disponível, celular ligado 24 horas por dia, o iminente risco de ir e vir numa cidade violenta, os olhos sempre à espreita, coração alerta. Não era um estado de espírito, mas de corpo inteiro. Tinha eu consciência disso? Sinceramente, acho que não. Afinal, morava a cinco minutos do mar, encontrava com amigos, batia papo e aproveitava la dolce vita carioca.
Vida na Holanda
Quando olho a minha rotina de hoje. Pedalo vinte minutos até chegar ao trabalho, raramente trabalho mais que 8 horas por dia e nunca me sinto insegura na cidade. Não tenho mais o mar tão perto, nem a espetacular natureza da cidade maravilhosa. Também sinto muita falta de amigos e dos momentos que passamos juntos. Mas tenho que ser honesta, tenho mais qualidade de vida, mais tempo pra dedicar às coisas que gosto de fazer e mais tempo para admirar coisas simples como as flores na varanda ou a mudança da paisagem em volta. Fiz novos amigos e, apesar da rígida agenda holandesa, também aproveito a companhia dos novos amigos que aqui fiz. O estresse que tenho hoje vem muito mais do afã de ver coisas sendo realizadas, de ver um trabalho bem feito e cumprir com os prazos razoavelmente estabelecidos. Um tipo de pressão que considero sadia.
Sentimento de culpa
Enquanto o jornalista falava sobre sua rotina e condições de trabalho, não conseguia disfarçar um certo incômodo e sentimento de culpa. Me sentia como se às vezes reclamasse de barriga cheia. Percebi o quanto é fácil esquecer um passado tão recente e assumir como o normal algo que até há pouco parecia uma realidade distante. Assim, enquanto ele falava, as imagens da minha vida no Brasil passavam na minha cabeça como as nuvens ligeiras que ameaçavam um final de um lindo dia de sol e que nada combinavam com aquele extravagante céu azul.
Mas falo do momento que em que hoje vivo. A vida de imigrante apresenta desafios e preocupações nas suas diferentes etapas. E acreditem, já passei por períodos de extrema preocupação: é o aprendizado da língua (esse, sim um eterno estresse!), encontrar um lugar no mercado de trabalho, formar um círculo de amizades, se adaptar, entender o novo país e várias outras fontes de ansiedade. Talvez esteja num momento relax da minha vida de imigrante. Pois é, deixa eu aproveitar enquanto seu lobo não vem.
7 comments
Que post legal! Tb acho que pra mim o maior stress é a facul/trabalho. Mas não posso nem comparar com a minha vida antes de me tornar uma buitenlander. Beijos!
Oi Malkinha, fico feliz que tenha gostado. Pois é, é impressionante como a gent às vezes não se dá conta da vida estressante que leva. E também como é fácil desacostumar dela.
É verdade…a sabedoria está mesmo em aproveitar o melhor que de cada lugar.Eu acho que você faz isso muito bem.Vou me inspirar na sua história quando for viver na Holanda.Aliás me fala depois como participar do clube do livro.Se não for algo privado.beijooos
Oi Yone, ah, fiquei toda boba com o seu comentário. Espero que de alguma forma, o blog te ajude nessa transição.
Olha o clube fechou porque atingimos o numero maximo de 10 participantes. Depois te explico melhor,
Ok…vamos fazer o Clube do livro 2.Rsss.brincadeira viu! entendo perfeitamente.Quem sabe no fututo planejamos algo mais.O seu blog sempre me ajuda…adoooro!beijoca
Excelente Post!
Uma vez alguém me disse como nós seres humanos perdemos facilmente nossa capacidade de nos impressionar com as coisas simples do mundo, como: o por do sol, o vento que sopra sobre as flores, o raiar do sol no começo do dia, o sorriso de uma pessoa. O bebê recém-nascido se diverte com pequenos detalhes de suas próprias mãos, com as cores de um brinquedo simples, com a música cantada pelo pai e com os próprios sons que emite. Nesse momento é possível notar a alta sensibilidade dele ao mundo e a sua capacidade de se impressionar, de viver e de sentir o mundo.
Enquanto isso, nós nos preocupamos 24h com contas, dinheiro, opiniões, críticas, trabalho. E esquecemos do que está a nossa volta…. Pois é, nos involvemos em um manto cheio de estresse que nos isola do mundo e nos priva de perceber o quanto somos abençoados em pertencer a um universo tão grande e cheio de mistérios pelos quais podemos nos impressionar, sentir e viver.
Bom, tudo isso pra dizer que me identifiquei com este POST (rs).
Parabéns!
Fonseca
Obrigada José, é tão bom quando as pessoas se identificam com o que escrevo!
Volte mais vezes.
Clarissa