Estranha no ninho
Desde que vim morar na Holanda, fui pelo menos uma vez por ano ao Brasil. Muitas vezes me senti confrontada com diversas situações: a pressão com a beleza e/ou peso, a importância dada à aparência, o trânsito caótico, a falta de educação das pessoas na rua. Enfim, o lado negativo do meu próprio país se sobressaía às coisas boas do Brasil e da sua cultura. Às vezes me sentia constrangida em falar por não querer parecer esnobe. E aquilo doía. Era um conflito não me sentir confortável no meu país. Claro que aproveitava a praia, as comidas e a compainha das pessoas queridas, mas me sentia dividida e culpada. Uma estranha no seu próprio ninho.
Na última viagem isso não aconteceu. Aproveitei o Brasil ao seu máximo, com uma paz de espírito nunca dantes vista. Mas o que aconteceu de diferente?
Adaptação. Tem que dar certo
Racionalização
No início me esforcava para entender os novos costumes e regras da sociedade. Hoje vejo como racionalizava quase tudo que era estranho para mim. As justificativas floresciam como tulipas. O engraçado é que conseguia achar razões para o comportamento dos holandeses, mas não para o comportamento brasileiro.
Se alguém era maleducado comigo, dizia pra mim mesma: “ah, eles são diretos”, se o garçom me ignorava solenemente e não conhecia patavinas do menu, apesar de irritada, arranjava a desculpa da mão-de-obra cara e até encarava com bom humor. Até a filosofia do sistema médico, o elo perdido (e não achado) da minha integração, conseguia olhar com certa ternura. Ah, pobre imigrante desesperada. Não queria enxergar nada de negativo no meu novo país. O meu projeto tinha que dar certo.
Aceitar as diferenças
Equilíbrio
Fui eu que amadureci? Ou será que enfim encontrei o equilíbrio, um oásis de paz entre o país onde nasci e o país onde vivo? Talvez um pouco dos dois. Hoje, para mim, a Holanda não é o meu país, mas é a minha casa. A verdade é que o discurso de aproveitar o melhor dos dois países é mais fácil do que a prática. O tempo e a personalidade de cada um é que acomodarão os conflitos e traçarão o caminho da adaptacão de cada um.
E nessas idas e vindas, nasceu esse poema que expressa bem meu sentimento de não pertencer exclusivamente a lugar nenhum. Quem sabe você não se identifica?
Minha casa ou poema do viajante
Minha casa casa com o acaso
Tenho uma casa em cada abraço
É um caso desfeito
Um laço frouxo
Faço e desfaço do jeito que gosto
Minha casa se faz no encontro
Tenho uma fada em cada conto
É uma corrente sem fecho
Um nó sem ponto
Ato e desato mas nunca desleixo
Minha casa não é numa cidade
Tenho uma casa em cada saudade
Pode ser céu, noite estrelada
Pode ser chão, terra onde piso
É surpresa
Chegar sem aviso
Só não é engraçada
É cada sorriso
13 comments
EQUILÍBRIO…esta é a palavra e foi o que você encontrou. Para tudo na vida o equilíbrio é necessario, caso contrário SURTAMOS e, as vezes, por coisas tão bobas. Deu o click e estes clicks são sempre bem vindos…obrigado por compartilhar.
beijo
Oi Ju, eu é que agradeço pelo seu comentário. Equilíbrio é fundamental, mas às vezes temos que correr muito pra encontrá-lo.
Volte e comente mais vezes. Beijo
Lindo texto e lindas fotos, Clarissa!
Muito legal a maneira como vc conseguiu descrever tão bem, passados alguns anos, todo seu processo interno de adaptação.
Como disse a Juliette, obrigada por compartilhar!
Bjs!
Obrigada Beatriz. Fico feliz que você tenha gostado do texto e das fotos. O espaço aqui é justamente para compartilhar sentimentos, coisas interessantes e descobertas. E tudo fica melhor quando as pessoas interagem.
Obrigada pelo seu comentário. Volte sempre!
Gostei do texto! Ainda não sei se eu encontrei o meu equilíbrio..até pq voltei muitas poucas vezes. Um beijo!
Obrigada Malkinha!VAmos ver como será na sua próxima viagem. Também estou curiosa como será a minha próxima. Quero confirmar esse sentimento.
Lindas as fotos!! (como sempre)
Seu texto me fez entender muita gente que eu conheço aqui na NZ e que age assim, criticando e ressaltando os pontos negativos do Brasil e fingindo que a NZ é o paraíso perdido sem defeito nenhum. Eu nunca tive muita paciência com essas pessoas… mas agora, depois de ler seu texto, passei a entender melhor! É isso, uma autoafirmação, uma tentativa de se convencer de que foi feita a escolha certa quando entraram de mala e cuia em direção a outro país tão diferente do nosso.
Espero que um dia todas essas pessoas encontrem o equilíbrio que vc encontrou! 🙂
Beijos xx
Perfeito Cris.
Não que eu ficasse alardeando oq ue não gostava do Brasil, mas aquilo me incomodova. Fico feliz que o texto traga um pouco de luz para esse fenômeno pelo qual muitas pessoas passam. Obrigada pela visita e pelo comentário.
Volte sempre!
Lindo texto! Certamente serve para reflexão de todos que estão passando pela mesma situação, e não só a de mudança de país, mas de vivência na vida. Parabéns e obrigada pela contribuição.
Que texto maravilhoso!
Obrigada Aline! Volte sempre.
Belo texto!
Tão cheio de reflexoes e verdades descritos com sutileza , humor e qualidade!
Obrigada !
Muito obrigada, Kely! Volte mais vezes