Às vezes noto os olhares e percebo que a pessoa também me reconhece, mas imediatamente os olhos assustados desviam o foco e fingem prestar atenção à plana paisagem da janela salpicada de ovelhas e vaquinhas malhadas. Aí me dá vontade de chegar junto e falar: “- deixa de besteira que sei que você ronca quando dorme”. Viro para o lado e encaro um inacreditável topete, o qual adoraria tocar para checar se é real e falo em pensamento: E você Elvis, até baba!”. À adolescente com lindos olhos cheios de maquiagem, que diariamente come seu sanduíche amassado dentro de um saco plástico, solto um comentário sem palavras: “E você, dorme de boca aberta!”
Assim, convivemos diariamente dividindo cochilos e refeições como íntimos desconhecidos. Os olhares flutuam entre jornais gratuitos, livros, Ipods e videogames e as palavras são reservadas aos rebeldes que ousam quebrar o sutil e dissimulado equilíbrio de convivência dos transportes públicos.
E foi aí que fui pega de supresa. Esta semana, enquanto me distraio com a paisagem na janela, um “íntimo desconhecido” me cumprimenta e acena enquanto salta do bonde. Eu que sempre critiquei a falsa distância e a ilusório isolamento da vida de passageiro, me surpreendi e acenei desconcertada com um meio-sorriso. Assim, uma luzinha de acendeu e a distância entre as pessoas, neste dia, ficou um pouco menor.
Imagem: macnarama.com
1 comment
Não porque é assim, eu não tenho horário fixo, mas na rua aqui perto as pessoas são sempre as mesmas e acontece exatamente a mesma coisa!
No começo eu saia distribuindo sorriso e ninguém nem dava bola. Depois de um ano a gente entra no clima e nem olho mais pra ninguém.
Bjo!